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Publication type: news
Borja-Santos R
Médicos contra farmácias por promoverem medicamentos para jovens em época de exames
Publico 2010 Feb 2
http://www.publico.pt/Educação/medicos-contra-farmacias-por-promoverem-medicamentos-em-epoca-de-exames_1420882
Full text:
Os médicos estão a questionar uma campanha lançada pelas farmácias
para promover medicamentos que ajudem os alunos a estudar na época de
exames.
Médicos dizem que remédios não deviam ser alvo de promoção Médicos
dizem que remédios não deviam ser alvo de promoção (Daniel Rocha)
Ansiedade, stress, cansaço, problemas de memória e de concentração. A
pensar nos principais efeitos que os exames têm nos universitários, a
Associação Nacional de Farmácias lançou este mês uma campanha que visa
aproximar as farmácias dos jovens adultos entre os 18 e os 24 anos,
para que estes as vejam como um “espaço de aconselhamento” para
produtos que os ajudem na hora de estudar. Uma ideia que desagrada à
classe médica, que aponta o dedo a soluções rápidas e que fazem
acreditar que a inteligência pode vir dentro de um frasco de
comprimidos ou no líquido de uma ampola. “Deviam fazer campanha era
para incentivar mais horas de estudo”, defende o bastonário da Ordem
dos Médicos, Pedro Nunes.
“Na época de queimar as pestanas sabes o que te fazia bem?
Concentração forte” e “Quando já acorda cansado, sabe o que lhe fazia
bem? Espertina” são duas das frases presentes nos cartazes que estarão
expostos durante o mês de Fevereiro nas universidades e nas estações
do metro e da CP. A campanha estará também presente nos canais
generalistas de televisão e em alguns canais por cabo.
“É mais um passo na nossa linha de comunicação de que a farmácia é
muito mais do que um espaço para comprar medicamentos. É um espaço de
saúde e bem-estar de onde as pessoas saem com mais confiança,
auto-estima e segurança”, resumiu ao PÚBLICO Pedro Casquinha, da
Associação Nacional de Farmácias. Sobre as críticas dos médicos,
recusou-se a fazer comentários, afirmando apenas que “na farmácia não
se entra com carrinho de compras”.
Efeito placebo
O bastonário da Ordem dos Médicos considera, no entanto, que esta
campanha vem provar, uma vez mais, que “mesmo os medicamentos sem
receita médica não deviam ser alvo de qualquer promoção”. Ainda que
duvide da eficácia das substâncias que dizem melhorar a capacidade de
concentração de quem as consome, Pedro Nunes entende que se um jovem
tem problemas e dificuldades em lidar com os momentos em que é posto à
prova deve, em primeiro lugar, falar com o seu médico. “A solução
passa quase sempre por estudo mais atempado e estes suplementos actuam
praticamente só por convencimento”.
Opinião semelhante tem Isabel Brandão, médica-chefe da Unidade de
Psiquiatria do Jovem e da Família do Serviço de Psiquiatria do
Hospital de São João, no Porto. Para a especialista, “não é nada
aconselhável os jovens recorrerem a medidas muito imediatas e em que
prevalece a ideia de uma resposta rápida para um problema”. E insiste
que, caso não haja efectivamente nenhuma patologia, “uma vida saudável
e uma alimentação devidamente cuidada e equilibrada são suficientes
para os jovens conseguirem competências cognitivas suficientes”.
Contudo, os dados sobre as vendas mostram que há cada vez mais pessoas
que não resistem às chamadas smart drugs, isto é, às substâncias que
ajudam a potenciar a “inteligência” e que são cada vez mais um recurso
para contornar a ansiedade os momentos de exame provocam.
No Reino Unido, por exemplo, foi feito no ano passado um estudo que
indica que um quarto dos estudantes universitários britânicos recorre
à ajuda destes químicos.
Em Portugal, no ano passado, os armazenistas venderam às farmácias um
total de 469.293 embalagens de suplementos que ajudam a aumentar a
capacidade de concentração e de memória, o que correspondeu a um
aumento de mais de 25 por cento em relação a 2008, segundo dados
disponibilizados ao PÚBLICO pela consultora IMS Health. Números dos
quais não fazem parte alguns suplementos vitamínicos, por poderem ser
também aconselhados para outro tipo de carências. No que diz respeito
ao volume de vendas, o negócio moveu quase 8,5 milhões, o que
representa um aumento na ordem dos 23 por cento.
Se os dados forem vistos mês a mês, em 2009, Outubro foi recordista de
vendas com 57.096 embalagens, seguindo-se Dezembro (46.417), Janeiro
(44.762) e Novembro (44.068). Outubro é um mês em que o ano lectivo já
arrancou em pleno em todos os estabelecimentos de ensino básico,
secundário e superior. Já Dezembro e Janeiro correspondem a alturas em
que se generalizam as provas de avaliação dos estudantes, em especial
no ensino universitário.
“Sem evidência científica”
O aumento preocupa também João Sequeira Carlos, presidente da
Associação Portuguesa dos Médicos de Clínica Geral, que recorda que
“não há evidência científica sobre a eficácia destes suplementos”,
apesar de não deixarem de ser “substâncias químicas produzidas em
laboratórios”. E a “pouca eficácia” pode justificar que, à medida que
o ano lectivo avança, a procura destes produtos seja também mais
reduzida.
Contudo, o médico não deixa de alertar que a campanha faz “um apelo
muito forte a um grupo etário permeável” e que, ao serem
sugestionáveis, os jovens podem desenvolver uma “falsa sensação de
bem-estar que no dia do exame pode não corresponder a uma performance
adequada”. E sublinha: “O ideal é ajudar os estudantes a lidar com os
testes e ensinar-lhes estratégias de adaptação, até porque o objectivo
primordial na medicina é apostar na prevenção e não na medicação”.
Precisamente a pensar nos estudantes que lidam pior com a pressão dos
exames – “que muitas vezes são os melhores alunos, por terem mais
noção da responsabilidade” -, a Universidade do Minho criou um
gabinete de apoio que se dedica a ajudar os jovens a “lidar com a
ansiedade em contexto de avaliação”. Iolanda Ribeiro, professora do
Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho, entende
que “para que um aluno seja capaz de memorizar e de reter a
informação, antes de mais tem de trabalhar estratégias de memorização
e de desenvolver hábitos regulares de trabalho”. Um trabalho a
“médio/longo prazo” que exige dedicação, mas que, para a docente,
trará “mais benefícios ao longo da vida”, até porque “a ansiedade
moderada ajuda a ter melhores resultados”.