Healthy Skepticism Library item: 15784
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Publication type: Journal Article
Reis T.
Estudo mostra que jornais e revistas são mais importantes que DIM
Medico Familia 2009 Jun 4;
http://www.jmfamilia.com/index.php?option=com_content&task=view&id=753&Itemid=27
Full text:
Um estudo desenvolvido por uma farmacêutica e investigadora do ISCTE Business School revela que jornais e revistas médicas, anuários e contactos com outros colegas são mais valorizados pelos médicos de família – quando procuram informar-se sobre um novo anti-hipertensor – do que os contributos oferecidos pelos delegados de informação médica. Uma evidência que põe fim a longos anos de especulação, ao longo dos quais se apontou para um ascendente avassalador da indústria farmacêutica sobre os prescritores. Este é apenas um dos mitos derrubados por esta investigação, que o Médico de Família foi conhecer em pormenor
No âmbito da sua tese de mestrado em Marketing, realizada no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE) – Business School, a investigadora Inês Lopes elaborou um estudo subordinado ao tema “Comportamento de Utilização de Fontes de Informação Médica pelos Médicos de Clínica Geral Portugueses”. A tese teve a orientação de Reinaldo Proença, professor auxiliar do ISCTE – Business School (Departamento de Gestão), ele próprio com extenso trabalho desenvolvido na área das tendências de comportamento do prescritor.
Uma dimensão científica pouco explorada entre nós (realce para alguns estudos isolados, a maioria dos quais sem um modelo de enquadramento teórico sólido), que até hoje viveu de assumpções e conclusões construídas fora do âmbito da Clínica Geral, ou com origem em estudos internacionais.
Assim, os resultados desta investigação – concretizada entre 2007 e 2008 -contribuíram para esclarecer detalhes essenciais, relacionados com o uso de fontes de informação por parte dos médicos de família (MF) em Portugal.
Com o esclarecimento destrói-se também, de certa forma, a imagem generalizada de como os MF procuram, processam e potenciam a informação a que têm acesso. Antes de mais, é evidente que o MF português selecciona a fonte de informação de acordo com o fim expresso que o motiva (eficácia terapêutica, efeitos adversos, conhecimento sobre novas moléculas, evocação de dados que estavam esquecidos, etc.). Depois, descobre-se que canais preferenciais de informação perfilhados pela indústria farmacêutica durante anos, como o contacto através de delegados de informação médica (DIM) e em congressos, são menos valorizados do que outras fontes, entre elas jornais e revistas médicas, anuários (em papel ou versão electrónica) e conselhos emitidos por pares.
Formatos em papel são privilegiados
O estudo desenvolvido por Inês Lopes centrou-se num questionário enviado através do jornal Médico de Família ao universo dos seus leitores (clínicos gerais), processo do qual resultaram 242 impressos validados. Todas as questões estavam orientadas para um contexto hipotético, em que o médico se deparava com a introdução no mercado de uma nova molécula da classe dos antagonistas dos receptores da angiotensina II (ARA) e com a necessidade, natural, de melhor se informar sobre esta opção terapêutica.
A taxa de resposta aferida foi de 4,7%, uma amostra não estatisticamente representativa dos MF portugueses, mas ainda assim capaz de gerar ilações importantes. Em particular, que as fontes de informação com maior “intenção” de utilização são os suportes impressos como jornais, revistas, livros e tratados em papel, seguidos de perto pelos anuários em papel. Depois, na prioridade atribuída às fontes, surgem as opiniões de colegas e só então os DIM.
O estudo (cujo questionário foi preparado com base na realização prévia de dois focus groups e de uma sessão de entrevistas semi-estruturadas, envolvendo MF das Regiões de Beja, Setúbal e Braga) permitiu também analisar o uso de fontes de informação tradicionais e modernas (via tecnologias de informação). Neste campo, destaque para o facto dos sites organizacionais, motores de busca e programas de apoio clínico serem mais utilizados do que, por exemplo, anuários electrónicos, blogs ou mailing lists.
Contexto socioprofissional dos MF muda… e, com ele, as fontes de informação
Segundo Inês Lopes, “apesar do universo analisado não ser representativo da população estudada, na medida em que é uma amostra aleatória simples permite-nos chegar a um retrato relativamente fiel do que são e pensam os MF”. A investigadora salienta que a dificuldade de acesso aos clínicos gerais é “enorme, não só pelos seus afazeres profissionais e número diário de consultas, mas também pelo constante assédio a que estão submetidos por parte da indústria farmacêutica, em termos de estudos de mercado. Muitas vezes, este factor dificulta a distinção entre uma investigação científica séria e um estudo de mercado com outros interesses, não académicos”.
Apesar destes obstáculos, foi possível gerar agora um interessante acervo de dados. A começar pela prova de que o cenário de mudança hoje característico dos cuidados de saúde primários (CSP) está a influenciar, directamente, o tipo de informação utilizado pelos MF. “Existe um estudo (McGetting – 2001) que indica que os médicos nos centros de saúde (CS)/CSP utilizam mais os DIM do que os congéneres hospitalares, que recorrem sobretudo a colegas. Mas trata-se de uma excepção no panorama dos estudos internacionais, já que a maior parte deles apresenta exactamente o mesmo resultado que o nosso; isto é, uso preferencial de fontes impressas e, logo de seguida, dos colegas”, realça Inês Lopes.
A investigadora lembra, porém, que “os estudos feitos no passado em Portugal apontavam para um predomínio dos DIM nos CSP. Assim, diria que estamos perante uma alteração do sistema socioprofissional do CS português, que leva a uma maior utilização, hoje, de colegas em detrimento dos DIM, aproximando a realidade portuguesa da internacional. Se os DIM começam a ser menos utilizados nos CS, em detrimento dos colegas, isto significa que existe uma maior interacção entre clínicos gerais no seu actual contexto de trabalho”.
Em resumo, quanto maior for a comunicação entre os MF de um CS ou de uma unidade de saúde familiar (USF), mais elevadas serão as hipóteses destes médicos recorrerem a colegas, na busca de informação, do que a representantes da indústria farmacêutica.
Juízo de figuras chave condiciona
Reinaldo Proença, director do Programa Doutoral em Marketing do ISCTE – Business School e orientador desta tese de mestrado (para além de investigador dedicado ao comportamento do consumidor e comportamento do prescritor médico), lembra que “dada a lógica socioprofissional em vigor nos hospitais, o contacto entre pares é uma realidade. No CS, tal só acontecia tradicionalmente quando se verificavam reuniões, por hábito muito limitadas no tempo”.
Este panorama, marcado pela baixa disponibilidade do MF em trocar impressões com colegas, está a mudar fruto da criação de pequenas equipas multidisciplinares (USF), que desenvolvem projectos de saúde em conjunto.
Isto ao mesmo tempo que as condições de acesso dos DIM aos clínicos gerais se tornam altamente reguladas e padronizadas, devido a alterações legais recentemente introduzidas. “Nos focus groups realizados antes da implementação do questionário, os MF participantes referiram a limitação que hoje existe no acesso aos DIM. Mas esta não é, de todo, inultrapassável e os MF podem chegar à fala com os representantes da indústria, quando o desejam. Muito mais importante é a consciência de que o médico tem de que os seus pares não aprovariam o uso do DIM como fonte principal de informação”, alerta a investigadora do ISCTE.
MF é selectivo, quando caça novidades
Um dos dados mais importante a nascer deste tipo de estudo será, porventura, a evidência de que os MF sabem destrinçar entre fontes de informação úteis e menos úteis, de acordo com a finalidade a que se propõem. A maioria dos estudos internacionais realizados neste campo garantem que os médicos preferem os DIM e a literatura providenciada pela indústria, quando desejam saber mais informações sobre um novo medicamento, ou sobre a eficácia de um certo fármaco, mas dão primazia aos anuários, revistas e jornais para conhecer eventos adversos, por exemplo.
Torna-se, portanto, manifesto que os clínicos seleccionam sem grandes embaraços a informação que lhes chega, bem como os canais envolvidos.
A questão complica-se quando o MF – dadas as restrições tecnológicas ou a natureza da organização em que trabalha – se vê limitado no leque de fontes de informação que normalmente seria o seu. “O médico até pode achar uma determinada fonte de informação útil, fácil de utilizar e ter uma atitude positiva perante a mesma, mas simplesmente não ter acesso regular a ela”, avança Inês Lopes. Por outro lado, vários factores condicionadores, como o número diário de consultas (variável estudada nesta investigação), também parecem influenciar as fontes de informação que acabam por ser utilizadas pelo MF, independentemente das preferências que este possa apresentar, num plano teórico.
“O médico pensa, antes de mais, na fonte que lhe resolve a questão clínica – e consequentemente o problema do doente – da forma mais rápida e eficaz. Privilegia, portanto, a utilidade da fonte”, ressalva a investigadora do ISCTE. Daí que a pesquisa levada a cabo comprove ser o factor qualidade pouco representativo, no momento de decidir entre as fontes de informação disponíveis. “Nos estudos internacionais e no trabalho teórico que realizámos antes do inquérito, os médicos aludiam à qualidade como um factor essencial na escolha da fonte de informação. Contudo, é notório pelos resultados que a percepção da qualidade não é fundamental, no momento de decidir qual a fonte a usar. As pessoas não estão muito preocupadas com a qualidade, mas sim com a fonte que mais facilmente lhes permitirá chegar a um desfecho”, avisa Inês Lopes.
Produtores de informação atentos às mudanças
Os resultados do estudo desenvolvido por Inês Lopes podem – e devem – ser rentabilizados por todos os produtores de informação terapêutica (revistas, jornais, indústria farmacêutica, reguladores, etc.), já que oferecem dicas importantes sobre como actualizar a informação para novos tempos e rotinas. Segundo Inês Lopes, talvez não adiante às autoridades de saúde perderem tempo a verificar se as fontes de informação estão muito acima do padrão mínimo de qualidade: “o médico pressupõe que todas as fontes que utiliza apresentam um patamar mínimo de qualidade. Talvez por isso, a qualidade percepcionada para uma fonte de informação não está, regra geral, directamente relacionada com uma maior intenção de uso. Existe um aspecto da nossa investigação que reforça esta conclusão: para apenas uma das fontes de informação a qualidade foi significativa e teve, curiosamente, uma influência negativa na utilização desse meio. Isto demonstra que os médicos, ao percepcionarem uma qualidade negativa, vão ser influenciados a não utilizar a fonte. Todavia, qualidade acima do padrão mínimo não conduz a maiores utilizações de determinada fonte”.
Do mesmo modo, autoridades e reguladores (à semelhança da própria indústria farmacêutica e das publicações médicas) devem explorar, a fundo, a avenida das novas tecnologias. Na óptica da autora do estudo, “faz todo o sentido, para quem produz informação destinada à classe médica, privilegiar as tecnologias de informação como veículo, na medida em que elas libertam tempo ao médico para o cumprimento de actividades essenciais”.
Reinaldo Proença frisa que não há espaço para radicalismos, quando se pensa na comunicação terapêutica orientada para os MF. Tal significa que quem emprega o médico (e regulamenta a sua actividade) terá de mostrar suficiente flexibilidade e abertura de espírito para não proibir vias de comunicação: “é um erro desvalorizar fontes de informação, porque os médicos fazem uso de todas elas, mediante os diferentes objectivos que perseguem. Fontes humanas, escritas, on-line, comerciais ou científicas, todas têm o seu papel a desempenhar”.
Há que impor prescrição racional, mas sem fantasmas
Para o professor da ISCTE – Business School Reinaldo Proença, o médico é um técnico altamente competente e credível, “que não gosta que lhe imponham determinada actuação, no momento de prescrever”. O professor do ISCTE considera que em Portugal “se tem abordado a problemática da prescrição – e alguns escândalos a ela associados – de uma maneira pobre e populista”. Assim, para este académico as autoridades terão forçosamente de entender o que é relatado por estudos como o de Inês Lopes, se quiserem promover, por exemplo, uma maior prescrição de genéricos: “há uma absoluta urgência em libertar os médicos para reflexões inter-pares de índole terapêutica, dentro de cada CS. De outro modo, não se chegará ao ponto em que os médicos compreenderão realmente as vantagens de aumentar a prescrição de genéricos”.
Assim e perante as actuais condições que envolvem a Medicina Familiar (entre as quais se destaca o isolamento profissional que reina, ainda, em algumas regiões), haverá sempre por parte do MF “uma resistência à imposição que vem de fora, mesmo que o médico concorde clinicamente com a prescrição sugerida”, sugere Reinaldo Proença. Resulta, assim, que a classe médica deveria, por exemplo, ter sido “aliciada” para a prescrição de genéricos de uma forma mais “positiva e pedagógica”, na visão de Reinaldo Proença.
Relativamente à política do medicamento adoptada em Portugal e às reticências que o Ministério da Saúde revela, a diversos níveis, no que respeita ao relacionamento entre médicos e indústria farmacêutica, a investigadora Inês Lopes assegura existirem fantasmas sem sentido: “a indústria é altamente regulada e cada empresa abraça, à risca, um conjunto de comportamentos éticos. Hoje em dia, nenhuma das grandes companhias farmacêuticas se dá ao desrespeito de ter atitudes menos dignas. As notícias menos abonatórias que vão surgindo devem ser entendidas enquanto excepção, não enquanto prática comum”.
Como nota de rodapé, Reinaldo Proença destaca a responsabilidade que determinados agentes devem ter num país em que as temáticas de saúde, particularmente no contexto da prescrição médica, são muitas vezes discutidas de maneira superficial, ou mesmo leviana: “quem não conhece o sector – e este alerta vale sobretudo para os políticos – devia evitar opinar sobre realidades que lhe passam ao lado. Caso contrário, os seus comentários darão azo a grande confusão entre os doentes”.