Políticas Farmacêuticas: a Serviçodos Interesses da Saúde?
José Augusto Cabral Barros
Propostas de mudanças no código comunitário em vigor
Tendo em vista as alterações que passaram a ser apresentadas como
propostas para alterar diferentes disposições do Código, aprovado em
novembro de 2001, para nortear o conjunto de atividades relacionadas
aos medicamentos de uso humano e avaliando o caráter das mudanças
pretendidas como sendo prejudiciais aos interesses dos pacientes e dos
consumidores, um conjunto amplo de organizações européias de defesa do
consumidor, grupos de pacientes organizados em vários países e uma rede de
revistas médicas independentes criaram, em abril de 2002, o Fórum Europeu
de Medicamentos (Medicines in Europe Forum).
As alterações sugeridas e que mereceram mais críticas e os argumentos
contrários levantados pelo Fórum são resumidos a seguir:
• Aumentar em curto prazo a competitividade das empresas no seio do
mercado farmacêutico europeu em função de que deveria ser ampliada
a validação dos dados advindos de estudos clínicos; prevê-se a
concessão de autorização com caráter duradouro, deixando de existir
a obrigatoriedade de renovação a cada cinco anos, atualmente em
vigor, pretendendo-se, igualmente, flexibilizar e encurtar o tempo
(210 dias) atualmente facultado para análise e concessão de registro.
“Nesse contexto, naturalmente, não está previsto um reforço das atividades
de farmacovigilância. Levando em conta o fato de que dados relevantes
com freqüência não estão acessíveis em tempo hábil para uma avaliação
rápida e de qualidade, a preservação da mesma requer tempo para
uma avaliação pertinente de dados clínicos, farmacológicos e toxicológicos
relacionados a novos produtos. A aceleração do processo de autorização
deveria ser reservada para casos excepcionais quando se espera um
benefício para o paciente ante a inexistência de alternativa para o
tratamento”;
• As empresas poderiam disseminar informações para o público em
relação a medicamentos para asma, diabetes e Aids, incluindo
produtos para os quais se requer prévia prescrição.
“Informação aqui deve ser tida como sinônimo de ‘atividades promocionais’.
A saúde pública e a dos pacientes, em particular, não são levadas em conta”;
• A proposta de proteção dos dados pré-clínicos e clínicos trará
obstáculos à entrada de genéricos no mercado;
• A farmacovigilância deve ser, em sua essência, um instrumento a
serviço da saúde pública. Como tal, deve gozar, no seio da EMEA, de
status de organismo independente devendo a agência contar com os
meios requeridos para o desenvolvimento de inquéritos prospectivos
em colaboração com as agências dos Estados-membros, devendo
ademais agir com transparência, tornando as informações sobre efeitos
adversos acessíveis ao grande público.
Outras alterações merecem apreciação crítica, a exemplo da retirada de
um dos dois membros por país que hoje compõem o colegiado do CMPP. É de todo pertinente a manutenção de dois representantes, sendo um deles
proveniente do organismo regulador e, o outro, um experto independente,
possibilitando a saudável composição de pontos de vista (o regulador e o
científico).
A pretendida liberação da publicidade para o público, no momento,
proibida na Europa, sob a forma de informação sobre o tratamento, por meio
de páginas na web, folhetos e outros materiais, foi recusada pelo Parlamento
Europeu, em uma primeira apreciação sobre o tema, em sessão de outubro
de 2002, mesmo que nos limites da projetada experiência-piloto, por um
qüinqüênio, e restringida a alguns medicamentos. Recorde-se que nos EUA,
a publicidade de produtos que requerem prescrição está autorizada e que,
algumas organizações de pacientes – tal é o caso da Federação de Diabéticos
Espanhóis – estavam a favor da aprovação do pleito da indústria, sob a
alegação de que o acesso a informações facilitaria o diálogo com o médico
e a tomada de decisões corretas, ressaltando, em todo caso, que a responsabilidade
de disseminá-las deveria recair sobre organismos independentes.
Para o Parlamento – que recusou a proposta da Comissão por 494 votos, com
apenas dois votos favoráveis e sete abstenções –, o projeto-piloto equivaleria à publicidade encoberta de medicamentos sujeitos à prescrição médica,
com o conseqüente risco de incrementar o consumo, agregando que esse
tipo de informação deveria provir, unicamente, de fontes que gozem de
independência com respeito à indústria. Na verdade, a publicidade direta
acarreta várias conseqüências negativas: pressão sobre os prescritores e sobre
o sistema de financiamento dos sistemas nacionais de saúde; as informações
costumam privilegiar produtos novos e, por isso mesmo, mal conhecidos,
dirigindo-se, ademais, a grupos mais influenciáveis (crianças, adolescentes,
idosos).68
Nessa mesma sessão, foi aprovada a redução de dez (como queria a
Comissão) para oito anos para que um medicamento patenteado possa ser
produzido sob forma de ‘genérico’, além da manutenção da revisão qüinqüenal
dos produtos autorizados que, igualmente, a Comissão, atendendo à
demanda dos produtores, pretendia reduzir. O Parlamento, no entanto,
prevê que, após os primeiros cinco anos, haja uma reavaliação e uma vez
autorizada a renovação, que esta tenha caráter permanente.
O dinamismo na geração de conhecimentos na área da farmacoterapia
impõe a preocupação com a avaliação de riscos e benefícios dos novos
medicamentos, sobretudo à luz de dados de farmacovigilância, que venham
a estar disponíveis. O Fórum Europeu de Medicamentos propôs que, quando
da autorização e da reavaliação, o informe da agência reguladora explicite
se o novo medicamento traz alguma vantagem em relação à eficácia,
segurança ou conveniência com respeito aos preexistentes. Decidiu-se,
também, que, nos primeiros cinco anos de comercialização, os medicamentos
deverão incluir nas bulas o texto “medicamento recentemente autorizado.
Por favor, comunique qualquer reação adversa”. Essas decisões, no entanto,
ainda não estão definitivas, devendo voltar ao Parlamento, após apreciação
do Conselho de Ministros da UE.
68 Em maio de 2003, divulga-se a notícia de estudo realizado por consultoria especializada em que se realçam as vantagens
da publicidade direta aos consumidores, ainda que sejam apontadas as inconveniências da liberação desse
procedimento (o texto integral da notícia, divulgada em um site específico na web (www.pmfarma.com) sobre
temas de saúde é reproduzido no Apêndice).