Políticas Farmacêuticas: a Serviçodos Interesses da Saúde?
José Augusto Cabral Barros
Os efeitos adversos e as conquistas na regulamentação dos medicamentos
Nas quatro últimas décadas, particularmente após a constatação de
surtos de iatrogenia medicamentosa, dos quais o mais conhecido foi o da talidomida,
a preocupação com o item ‘segurança’ passou a ter importância igual
ou maior que o relativo à ‘eficácia terapêutica’, merecedor de atenção prioritária
durante muito tempo. Crescentemente, foram sendo institucionalizados
organismos reguladores, impondo-se regras cada vez mais estritas, tanto na
avaliação prévia à autorização, quanto no acompanhamento pós-comercialização,
principalmente por meio dos sistemas de farmacovigilância, temas exaustivamente
comentados ao longo do presente texto.
67 Os dados oficiais disponíveis falam por si sós: entre 1992 e 1999, a distribuição de renda não sofreu alteração.
Nesse último ano, os 50% mais pobres detinham 14% da renda nacional, enquanto os 1% mais ricos apropriavamse
de 13,1%, proporção similar àquela constatada para o início da década. Estudo do Ipea evidencia que existiam,
em 1990, no País, 63,18 milhões de pobres, número que em 1995 sofreu decréscimo alcançando 50,23 milhões,
mas volta a subir em 1999, quando atinge a casa dos 53,11 milhões. Evolução semelhante ocorre com os miseráveis
(indigentes) que alcançava 22,60 milhões, em 1999 (para efeitos de esclarecimento do leitor, cumpre lembrar que ‘pobreza’ designa o estado de privação em que vivem indivíduos impossibilitados de satisfazer suas necessidades
materiais primárias – alimentação, moradia, vestuário, saúde, educação). Para o Banco Mundial, vive na pobreza
quem tem renda inferior a dois dólares diários e na miséria, quem vive com menos de um dólar diário; em relação
à ‘distribuição da renda’, esta diz respeito ao modo como o resultado da produção nacional (PIB) é dividido com
a população do país.
São inegáveis os avanços alcançados no empenho de prevenir as reações
adversas ou para chegar-se ao uso mais adequado dos medicamentos. No
entanto, o dispêndio realizado pelos produtores em atividades promocionais
amplas e cada vez mais sofisticadas, associado à ausência de informações
independentes que subsidiem a prática de prescritores e consumidores,
certamente continuam contribuindo fortemente para o uso irracional dos
produtos medicamentosos ou, na verdade, de todos os insumos resultantes
das inovações da biomedicina, tal como foi comentado no capítulo introdutório.
A despeito dos interesses da saúde pública serem proclamados
freqüentemente nos documentos oficiais como sendo prioritários, a forma
como ocorre, ainda, a intromissão dos fabricantes nos organismos
reguladores, como no caso da EMEA e o seu patrocínio e ingerência
nas Conferências Internacionais de Harmonização, não deixam de ser
preocupantes.
O incentivo ao mercado farmacêutico único, no âmbito da UE, para
cujo estabelecimento foram elaboradas diferentes estratégias que vêm sendo
implementadas e a não vinculação estreita e com exclusividade da EMEA
para com as autoridades sanitárias do conjunto dos países-membros, faz pensar
a respeito do quanto a intromissão de outros interesses, que não os da ‘saúde
pública’, continuam a prevalecer, apesar da mesma ser proclamada, sistematicamente,
como o interesse maior da regulamentação farmacêutica e
das agências dela responsáveis. Exemplos concretos do predomínio real,
contrariando o que se estabelece teoricamente, são objeto de consideração
do próximo subitem.