Políticas Farmacêuticas: a Serviçodos Interesses da Saúde?
José Augusto Cabral Barros
A farmacovigilância na Espanha
O Sistema Espanhol de Farmacovigilância (SEFV) encontra-se bem
estruturado e com uma experiência acumulada respeitável, fato que outorgou
ao mesmo algum grau de protagonismo. Já no começo da década de 80,
foram dados os primeiros passos com o programa de notificação voluntária
do Servicio de Farmacologia Clinica del Hospital Vall d’Hebron, em
Barcelona. A experiência piloto, iniciada em 1982, passa a ser financiada, no
ano seguinte, pelo Ministerio de Sanidad y Consumo, que designa a División
de Farmacologia Clinica da Universidad Autónoma de Barcelona como
Centro Nacional de Farmacovigilância, integrando-se ao Sistema
Internacional da OMS. Em 1985, é criada a Comisión Nacional de
Farmacovigilancia. A seqüência da experiência piloto de Barcelona redunda
no estabelecimento de um programa permanente optando-se por trabalhar
com a estrutura autonômica do Estado Espanhol, surgindo, progressivamente,
centros regionais em cada comunidade autônoma.
A Ley del Medicamento, em 1990, estabelece o sistema descentralizado
de farmacovigilância, e a obrigatoriedade dos profissionais sanitários notificarem
as reações adversas. O Sistema foi concluído em 1999, com a
implantação dos Centros de Asturias e das Ilhas Baleares, a partir daí sob a
coordenação da División de Farmacoepidemiologia y Farmacovigilancia
da Agencia Española del Medicamento (AGEMED).
No que se refere à obrigação da indústria em comunicar as suspeitas de
reações adversas, esta já estava prevista na Ley General de Sanidad e na Ley
del Medicamento. Em 1990, foi criado um grupo de trabalho (Grupo IFAS)
com o propósito de estabelecer os critérios a serem seguidos para o cumprimento
da mencionada obrigação, sendo criado o formulário pertinente.
Observa-se uma evolução no envolvimento dos laboratórios, à medida que se
passou de sete empresas notificadoras, em 1991, para 52, em 1995, com um
total de notificações que sobem, nos anos mencionados, respectivamente,
de 52 para 366. Em 1995, o Grupo IFAS elaborou um Guía para la
Industria Farmacéutica en España, publicado por Farmindustria (entidade
que congrega as empresas do ramo). Até o ano considerado, apenas 2% das
notificações chegadas ao SEFV provinham dos laboratórios (79% tinham
origem nos profissionais de saúde, 17% em estudos de fase IV e 2%,
na literatura médica), mas chega aos 10%, em 2001. Isto se explica pelo
cumprimento das normativas européias que propugnam o intercâmbio entre
as empresas e as autoridades sanitárias, sobretudo no caso de notificações
de suspeitas de reações adversas graves, caso em que o prazo máximo para
comunicação é de 15 dias. Por sua vez, a AGEMED remete ao Titular de
Autorización Comercializadora (TAC) as suspeitas de reação adversa
recebidas, relacionadas aos medicamentos daquela empresa específica
(Madurga, 2002).
Recente Real Decreto desenvolve aspectos já presentes na Ley
del Medicamento e incorpora propostas da Directiva 2000/83/CEE que
estabelece a farmacovigilância na UE, sob o comando da EMEA. Os
componentes principais do mencionado Real Decreto, alguns deles
representando novidades frente à legislação anterior (Real Decreto
2000/1995), são resumidos a seguir (Madurga, 2002):
• O responsável pela farmacovigilância, que todo TAC deve providenciar, é o interlocutor com as autoridades sanitárias.
• As suspeitas de reações adversas que cheguem ao conhecimentos do
TAC serão notificadas, tanto à AGEMED, como aos Centros de
Farmacovigilância locais onde sucedam as reações adversas.
• Quando dos medicamentos autorizados pelo procedimento de ‘reconhecimento mútuo’ e o Estado de referência seja Espanha,
deverão ser notificadas, à agência espanhola, todas as suspeitas de
efeitos adversos que ocorram no âmbito da UE.
• Cabe ao TAC realizar, quando pertinente, estudos de pós-comercialização
com vistas a quantificar ou caracterizar riscos potenciais ou a
trazer informação científica nova sobre a relação risco-benefício dos
seus produtos.
• O TAC de um medicamento deverá distribuir a ficha técnica do
mesmo aos profissionais sanitários.
• Proclama-se por primeira vez a necessidade de “hacer llegar a los
ciudadanos, en forma apropiada, información sobre los riesgos de los
medicamentos que puedan tener implicaciones relevantes para la
salud 44.
Avaliação do sistema, feita para o período 1983-1996, evidencia que
dos 57.305 fármacos avaliados e considerados ‘suspeitos’45, existentes na base
de dados FEDRA46, 95% foram tidos como agentes causais diretos das
44 Neste sentido foi criada a Comisión de Comunicación de Riesgos a los Ciudadanos, com caráter multidisciplinar
que atuará como órgão assessor da Comité de Seguridad de los Medicamentos de Uso Humano (Madurga,
2002).
45 Considera-se um fármaco como ‘suspeito’, todo aquele que de forma isolada ou mediante uma interação farmacológica
pode causar reações adversas.
46 Esta base de dados (Farmacovigilancia Española, Datos de Reacciones Adversas), estruturada no início dos anos
90 pelo Sistema Español de Farmacovigilancia (formalmente criado pela Ley del Medicamento, de 22/12/90)
unifica todas as bases de dados sobre medicamentos preexistentes, estando a ela integrados todos os Centros
Regionales de Farmacovigilancia do país. No caso da UE, a partir de 1997, passa a funcionar a Eudrawatch, base
de dados contendo informações sobre suspeitas de reações adversas a especialidades farmacêuticas autorizadas
pela EMEA (via procedimento centralizado). Atualmente, é o sistema EudraVigilance (www.eudravigilance.org)
(nesta página web está disponível manual Eudra Vigilance – The new Pharmacovigilance System in the
European Union onde se explicita, com detalhes, as bases do novo sistema).
reações adversas incriminadas. Nas 5% restantes, estas dependeram da
interação farmacológica. Nesta revisão, os cinco grupos terapêuticos mais
incriminados e que correspondem a 78,4% dos fármacos suspeitos foram: ‘antiinfecciosos sistêmicos’ (20,6%), ‘sistema nervoso central’ (18,6%),
‘sistema cardiovascular’ (17,6%), ‘sistema locomotor’ (13%) e ‘sistema
respiratório’ (8,6%). Quanto à gravidade, 75% das reações notificadas,
provenientes da ‘atenção primária’, foram classificadas como ‘leves’. Note-se
que a Espanha se encontra entre os dez países que apresenta maior taxa de
notificação, com uma média de 150 a 199 notificações por cada milhão
de habitantes (Madurga, 1998).