Políticas Farmacêuticas: a Serviçodos Interesses da Saúde?
José Augusto Cabral Barros
A EMEA – breve histórico
Desde a primeira normativa, no âmbito da UE, versando sobre o
setor farmacêutico, e que data de 1965, nas três décadas subseqüentes, a
legislação que tem vindo à luz tem buscado, crescentemente, fazer com que
haja a harmonização da regulamentação de medicamentos para que os
produtos medicamentosos se orientem a contribuir para que sejam alcançados
os mais elevados níveis de saúde possíveis. Em 1975, as normativas 318,
319 e 320 pretendem fazer chegar a todos os pacientes da UE os benefícios
dos medicamentos inovadores introduzindo procedimentos para o
reconhecimento mútuo pelos Estados-membro das autorizações de comercialização
outorgadas em nível nacional. Em função disto se cria o Committee
for Proprietary Medicinal Products (CPMP) e, mais adiante, o Pharmaceutical
Committee (PC). Tendo como referência o interesse em facilitar o livre
intercâmbio de mercadorias, são dados, dessa forma, os primeiros passos para
gestar-se um único mercado farmacêutico comunitário.
Em meio século, a institucionalização da UE se consolidou mais e
mais, perseguindo os seus membros os propósitos dos fundadores. Nos seus
primórdios, a Comissão tinha o papel de propor, o Parlamento Europeu, o
de prestar consultoria, o Conselho de Ministros, o de decidir e a Corte de
Justica, o de interpretar, atribuições, de alguma maneira modificadas pelo
Single European Act (1986), pelo Maastricht Treaty on European Union
(1992) e pelo Treaty of Amsterdam (1997), visando ultrapassar as fronteiras
do ‘econômico’, para incluir a ‘saúde pública’, a ‘pesquisa’, a ‘política social’ e
a ‘proteção ambiental e do consumidor’ (European Comission, 2000).
A Unidade Farmacêutica, parte do Enterprise Directorate-General,
da Comissão Européia (CE), objetiva assegurar um alto nível de proteção
à saúde pública, engendrar um mercado farmacêutico único, assim como
propiciar um ambiente estável para a inovação farmacêutica. Entre as
atribuições da mencionada Unidade se destacam:
• Processo decisório (proposições de decisões relacionadas a autorizações
e vigilância de produtos medicinais; formulação de orientações para
implementação das decisões comunitárias).
• Política industrial (incentivo à inovação, competição e transparência
no mercado farmacêutico).
• Política externa (promover a harmonização internacional; negociar
acordos de reconhecimento mútuo com terceiros países; buscar cooperação
com países da Europa do Leste e Central).
A Agência Européia para a Avaliação de Medicamentos, EMEA, sediada
em Londres, passou a ter existência formal a partir da aprovação pelo
Conselho da UE do Regulamento (EEC) 2309/93, de 22.07.1993. A
Agência, cuja institucionalização representa o ápice de iniciativas de variada
amplitude que a precederam, tem a responsabilidade de coordenar os
recursos científicos disponíveis para a avaliação e supervisão de medicamentos,
seja de uso humano, seja de uso veterinário. Data de 1995, o início de
funcionamento da EMEA e do novo sistema de autorização. Com base nas
resoluções preparadas pela EMEA, a CE autoriza a comercialização de
novos produtos e atua como árbitro, caso haja discordância entre Estados
membros, com respeito a algum medicamento específico.
A EMEA, administrativamente, está composta por uma direção executiva,
uma secretaria, um conselho diretor (integrado por dois representantes de
cada país, dois representantes da Comissão Européia e dois representantes
nomeados pelo Parlamento Europeu) e três Comitês científicos responsáveis
pela preparação de resoluções sobre a avaliação de medicamentos
de uso humano, o CPMP, veterinário (CVMP, Comittee for Veterinary
Medicinal Products) e para os medicamentos designados como ‘órfãos’
(COMP, Comittee for Orphan Medicinal Products) 34.
Faz parte da missão precípua da EMEA contribuir para a prevenção e
promoção da saúde através do (da):
• Mobilização de recursos científicos em toda a UE a fim de realizar
avaliação de alta qualidade dos novos medicamentos, oferecer assessoria
aos programas de investigação e desenvolvimento e proporcionar
informação útil aos usuários e profissionais de saúde.
• Estabelecimento de procedimentos eficazes e transparentes que
possibilitem o acesso universal aos novos medicamentos mediante uma única autorização européia de comercialização.
• Controle da segurança dos medicamentos de uso humano e
veterinário, particularmente através de uma rede de farmacovigilância
e o estabelecimento de limites de segurança quanto aos resíduos em
animais destinados à alimentação.
Entre as tarefas precípuas da EMEA, destacam-se:
34 A indústria tem sido estimulada através de diversos incentivos para pesquisar medicamentos para doença raras
(liberação do pagamento de taxas, quando do registro, exclusividade de comercialização por períodos de 8 a 10
anos, etc.) The Orphan Drug Act foi introduzido nos EUA em 1983 e legislação similar existe no Japão e na
Austrália. Entende-se por doenças raras como sendo aquelas que apresentam uma prevalência de 0,1 a 0,75 por
mil. Até 1999, 92 empresas ou instituições apresentaram solicitação de estudo de 890 fármacos, dos quais 173
foram registrados (Henry, 2002).
• Prover assessoria aos Estados-membro e às instituições comunitárias
em temas relativos à segurança, qualidade e eficácia dos produtos de
uso humano e veterinário.
• Propiciar a existência de um grupo de espertos de âmbito internacional
a fim de possibilitar uma avaliação única através dos procedimentos de
autorização estabelecidos.
• Institucionalizar procedimentos ágeis, transparentes e eficientes para
autorização, vigilância e, quando apropriado, retirada de produtos do
mercado europeu.
• Assessorar as empresas na condução da pesquisa farmacêutica.
• Implementar os mecanismos de supervisão dos medicamentos
existentes (atividades de inspeção e de farmacovigilância).
• Criar bancos de dados e serviços de comunicação eletrônica em consonância à necessidade de promover o uso racional dos medicamentos.
Data de 1995 o início de funcionamento do novo sistema de autorização
para a comercialização de medicamentos, para o que são oferecidas duas
alternativas cujo fluxo se sintetiza nas Figs. 3 e 4, incluídas nas páginas 73 e 74:
• O procedimento centralizado, com os pedidos sendo dirigidos e
avaliados pela EMEA, com decisão final da Comissão (esse caminho é obrigatório para produtos derivados da biotecnologia, sendo voluntário
para produtos inovadores).
• O procedimento do reconhecimento mútuo, com a solicitação sendo
apresentada à autoridade reguladora de determinado país, à escolha do
fabricante, com posterior reconhecimento pelos demais países.
Figura 3 – Fluxo do procedimento de autorização centralizado
Figura 4 – Fluxo do procedimento de reconhecimento mútuo
No procedimento centralizado, dando entrada ao requerimento na
EMEA, esta indica um relator e um co-relator, designados pelo Comitê
Científico que elaboram uma primeira opinião. Uma vez chegado o relatório
ao CPMP, os comentários ou objeções preparados nesta instância são
comunicados à empresa requerente. O relator e co-relator atuam como
intermediários do demandante, responsabilizando-se, inclusive, pelo
relatório final do qual constam, igualmente, uma síntese das características
do produto, o conteúdo da bula e do material de embalagem. Concluída a
avaliação, o CPMP emite uma opinião favorável ou desfavorável. A Agência
dispõe, então, de 30 dias (recorde-se que o tempo delimitado para o processo
de avaliação é de 210 dias) para emitir sua opinião a ser dirigida à Comissão
que, por sua vez, conta com período similar (30 dias) para elaborar um
esboço de decisão. Tem início a segunda etapa do procedimento de autorização:
o processo de tomada de decisão. O esboço antes referido recebe
a opinião do Standing Committee on Medicinal Products. Os Estadosmembros
contam com 15 e 30 dias para, respectivamente, devolver eventuais
comentários de natureza lingüística ou técnico-científicas. Se a decisão é
de aprovação, a Secretaria Geral da Comissão comunica aos Estados-membro
e à empresa a que se outorgue a autorização, em seus respectivos idiomas,
sendo, por fim, a mesma publicada no Jornal oficial da CE.
No caso do procedimento de reconhecimento mútuo, de início, um
requerimento é feito à agência pertinente em um dos Estados-membros,
sendo os demais notificados. Uma vez que um Estado-membro decide avaliar
o pedido (passa a partir daí a ser designado ‘Estado-membro de referência’)
difunde essa decisão aos demais Estados (Estados-membros interessados)
para os quais também tenham sido apresentados requerimentos que, de
imediato, suspendem seus processos específicos de avaliação e aguardam que
se processe no ‘Estado-membro de referência’. Terminado o procedimento
neste último, todos os demais Estados são comunicados, contando, cada um,
com 90 dias para o reconhecimento. No caso de alguns deles se negar a
reconhecer a autorização nacional original, os argumentos apresentados são
avaliados pelo CPMP, que atuará como árbitro.