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Polí­ticas Farmacêuticas: a Serviçodos Interesses da Saúde?

By José Augusto Cabral Barros
2004

Os efeitos adversos e as conquistas na regulamentação dos medicamentos


Nas quatro últimas décadas, particularmente após a constatação de surtos de iatrogenia medicamentosa, dos quais o mais conhecido foi o da talidomida, a preocupação com o item ‘segurança’ passou a ter importância igual ou maior que o relativo à ‘eficácia terapêutica’, merecedor de atenção prioritária durante muito tempo. Crescentemente, foram sendo institucionalizados organismos reguladores, impondo-se regras cada vez mais estritas, tanto na
avaliação prévia à autorização, quanto no acompanhamento pós-comercialização, principalmente por meio dos sistemas de farmacovigilância, temas exaustivamente comentados ao longo do presente texto.

67 Os dados oficiais disponíveis falam por si sós: entre 1992 e 1999, a distribuição de renda não sofreu alteração. Nesse último ano, os 50% mais pobres detinham 14% da renda nacional, enquanto os 1% mais ricos apropriavamse de 13,1%, proporção similar àquela constatada para o início da década. Estudo do Ipea evidencia que existiam, em 1990, no País, 63,18 milhões de pobres, número que em 1995 sofreu decréscimo alcançando 50,23 milhões, mas volta a subir em 1999, quando atinge a casa dos 53,11 milhões. Evolução semelhante ocorre com os miseráveis
(indigentes) que alcançava 22,60 milhões, em 1999 (para efeitos de esclarecimento do leitor, cumpre lembrar que ‘pobreza’ designa o estado de privação em que vivem indivíduos impossibilitados de satisfazer suas necessidades materiais primárias – alimentação, moradia, vestuário, saúde, educação). Para o Banco Mundial, vive na pobreza quem tem renda inferior a dois dólares diários e na miséria, quem vive com menos de um dólar diário; em relação à ‘distribuição da renda’, esta diz respeito ao modo como o resultado da produção nacional (PIB) é dividido com
a população do país.

São inegáveis os avanços alcançados no empenho de prevenir as reações adversas ou para chegar-se ao uso mais adequado dos medicamentos. No entanto, o dispêndio realizado pelos produtores em atividades promocionais amplas e cada vez mais sofisticadas, associado à ausência de informações independentes que subsidiem a prática de prescritores e consumidores,
certamente continuam contribuindo fortemente para o uso irracional dos produtos medicamentosos ou, na verdade, de todos os insumos resultantes das inovações da biomedicina, tal como foi comentado no capítulo introdutório.

A despeito dos interesses da saúde pública serem proclamados freqüentemente nos documentos oficiais como sendo prioritários, a forma como ocorre, ainda, a intromissão dos fabricantes nos organismos reguladores, como no caso da EMEA e o seu patrocínio e ingerência nas Conferências Internacionais de Harmonização, não deixam de ser preocupantes.

O incentivo ao mercado farmacêutico único, no âmbito da UE, para cujo estabelecimento foram elaboradas diferentes estratégias que vêm sendo implementadas e a não vinculação estreita e com exclusividade da EMEA para com as autoridades sanitárias do conjunto dos países-membros, faz pensar a respeito do quanto a intromissão de outros interesses, que não os da ‘saúde pública’, continuam a prevalecer, apesar da mesma ser proclamada, sistematicamente, como o interesse maior da regulamentação farmacêutica e das agências dela responsáveis. Exemplos concretos do predomínio real, contrariando o que se estabelece teoricamente, são objeto de consideração
do próximo subitem.

 

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